• MEDICINA/EVIDÊNCIA

Nossa espécie nunca se conformou com sua própria expectativa de vida. O ser humano não nasceu para viver mais que cem anos de idade e sempre encarou este limite como uma maldição que não limita só as projeções de futuro. Essa frustração despertou a criatividade e fez brotar conceitos no inconsciente coletivo. Desde o Egito antigo este inconformismo alimenta a crença de uma vida eterna, cuja porta de entrada é a própria morte. Este foi um dos consolos que inventamos.
Enquanto os faraós vestiam-se de múmias, preparando os próprios corpos para a tal grande viagem, os modernos inventaram a alma. Para adquirir a passagem, aqueles reis vivos dependiam do balanço entre os próprios corações e a pluma de avestruz que Maat, a deusa da verdade, da Justiça, da ordem e do caminho reto carregava em sua cabeça. Já os monoteístas dependem de um juízo final.
A modéstia incomoda muito. Não fosse este terrível impedimento, eu compartilharia sem culpa a grande descoberta que acabei de fazer. Vou, então, relembrar o grande D. Hélder Câmara, que dizia que este é um sentimento reservado para os tolos. É só por isso, então, que vou correr o risco de alardear este feito que será capaz de alterar o curso da humanidade e, quiçá, da própria história do universo. A fonte de toda nossa frustração com a finitude reside no formato de nossos relógios.
Enquanto a idade do universo é contada em bilhões de anos, os humanos contam seus dias em horas, dias e décadas. Nossos queridos dinossauros se foram há pouco mais de duzentos milhões de anos e o homem, tal qual nos conhecemos, temos apenas sete mil e quinhentos anos. É uma incongruência funesta. Nosso solzinho, coitado, só conseguiu dar vinte voltas pela via láctea desde a origem do planeta terra até os dias atuais.
Somos uma pequena fração do nada diante da infinitude do universo.
O inconformismo abastece também a nossa pretensiosa ciência. Estudiosos liderados por Nenad Sestan, professor de Neurociência, Medicina Comparada, Genética e Psiquiatria da Escola de Medicina de Yale (USA) fizeram “reviver” células e material genético de animais que estavam artificialmente sem atividade cerebral (mortos) há duas horas, mas perfundidas pelo OrganEx, que bombeia um substituto do sangue no corpo dos animais. (Nature 608, 273-274 2022 doi: https://doi.org/10.1038/d41586-022-01995-3).
É necessário dispensar a galhofa e reconhecer que os resultados dessa pesquisa são promissores para o desenvolvimento de novos tratamentos para antigas doenças, antes de mergulharmos nas questões filosóficas e éticas de todos aspectos envolvidos nessa descoberta.

  • Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Mestre em Medicina pela FAMERP, Preceptor e Médico do Ambulatório de Hipertensão do Departamento de Clínica Médica da FAMERP, São José do Rio Preto)
Estudiosos liderados por Nenad Sestan, professor de Neurociência, Medicina Comparada, Genética e Psiquiatria da Escola de Medicina de Yale (USA) fizeram “reviver” células e material genético de animais que estavam artificialmente sem atividade cerebral (mortos) // Jesse Winter for Nature

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