Aposentei metade dos meus neurônios, mas tomei o cuidado de deixar uma quantidade suficiente pra encontrar o caminho de volta pra casa. Cortei todo o supérfluo, e os quatro restante têm dado conta do recado com folga. Hoje, se eu quiser saber quantos degraus tem a escadaria da penha ou o nome do vencedor do primeiro concurso internacional de bocha, basta perguntar para o celular.
Antes de descobrir o microfoninho do bicho eu precisava da totalidade da massa cinzenta. Todas as terminações nervosas eram obrigadas a trabalhar até sair fumaça. E foi minha mãe, uma senhora idosa com mais de oitenta anos, quem me ensinou essa facilidade. Descobri não ser preciso nem usar os dedos pra digitar. Basta falar e o aparelho obedece. Pude dar descanso pra cachola, aquela mesma que decorou a tabuada, os tempos verbais e a letra do hino da independência (No hino nacional ainda me enrosco. Confundo a hora do sonho intenso com a do amor eterno. Fora daí dei tchau pra cola).
No início fiquei receoso em botar metade da turma pensante fora de cena. E se eu me reduzisse na escala evolutiva? Me enganei feio! Antes de diminuir meu status, na verdade alcancei um maior: tornei-me pesquisador igual 98% dos possuidores de smartphone. Hoje ninguém mais faz procura, como fazíamos nos tempos da Barsa, do Mirador e do Tesouros da Juventude. Todos pesquisam. E ainda enchem a boca pra falar “eu pesquiso muito” antes de pronunciar o nome completo da marquesa de santos recém saído do google.
O número de pesquisadores nacionais é de fazer vergonha às melhores universidades. Qualquer academia tem muito menos gente fazendo pesquisa em comparação com a população brasileira. O cargo de pesquisador científico não significa mais nada. Embora essa nova elite pensante desconheça as bases do raciocínio científico, não manje nada de estatística, nem faça ideia do que seja uma margem de segurança, se julga apta a discutir com qualquer especialista. Afinal, todos pesquisaram sua doença no google antes de procurar o médico, ou entendem mecânica avançada a ponto de só precisarem ir ao profissional por medo de sujar de graxa seus dedos digitadores.
No seu livro Metafísica (livro I, capítulo I), Aristóteles (384-322 a.C.) diz que por natureza, todo homem deseja conhecer, e descreve essa busca em três esferas: (a) Conhecimento por experiência sensorial direta, (b) Conhecimento técnico e (c) Conhecimento teórico. Qualquer um desses níveis está bem longe do campo dos pesquisadores da rede mundial de computadores.

Aristóteles diz que por natureza, todo homem deseja conhecer, e descreve essa busca em três esferas

Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Professor da FAMERP de São José do Rio Preto)

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