Passei muito tempo até finalmente descobrir que posso escolher os finais das histórias. Assim, me basta pará-las no exato ponto onde começam a me incomodar e preservar a paz. Se ficam desinteressantes, ou inesperadas, não penso duas vezes antes de fechar o livro para nunca mais abri-lo. Faço assim também com o controle remoto da TV e com a porta de saída do teatro e do cinema. Se não me agrada, não vejo. Hoje só me interessam as histórias com desfechos agradáveis. O cotidiano já é demasiadamente povoado de enredos chatos, tramas previsíveis e personagens rasos, para eu deixar a ficção atrapalhar o meu dia.
O ruim dessa mania é precisar conviver com a frase “já vi esse filme” nas mais diferentes ocasiões, como aconteceu em pleno domingo 23 de abril, quando a Folha noticiou a imposição do fim dos manicômios judiciários determinada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com base na lei antimanicomial de 2001.
Como resultado, infratores com comprometimento mental, inclusive assassinos, não poderão ser privados de liberdade, mesmo resultando em perigo à sociedade ou ao próprio doente. Um promotor de Goiás, certamente municiado das mais nobres intenções, endossando a medida, disse em tom lúdico: “esse projeto considera todos os aspectos do indivíduo”, dentre outros lugares comuns. É o ponto exato onde busco o controle remoto ou a porta de saída, mas não encontrei.
Sem nenhum capacitismo, é bom lembrar o quanto o estado já falha na abordagem de outras doenças que cursam sem prejuízo das funções psiquiátricas, como a hipertensão e diabetes. E não somente no Brasil. Nos Estados Unidos, país cujos níveis de instrução e de renda per capita são estratosfericamente maiores quando comparados aos nacionais, só no ano de 2020 foi registrado um incremento de 34% (ver The New England Journal of Medicine 388;5 nejm.org February 2, 2023) do índice de mortes secundários a hipertensão por falhas no tratamento. Se essas patologias que não afetam a capacidade cognitiva já não conseguem adesão clínica, o que se dirá de uma condição médica onde o sucesso depende não só da disponibilidade de fármacos, mas de supervisão que conte até com a administração dos comprimidos.
Além disso, também para a pressão alta são risíveis a quantidade de adoção de mudança de estilo de vida requeridas para o bom controle da doença. Vamos deixar a imaginação correr para imaginar o que será possível com criminosos doentes mentais.
Estamos numa época sem precedentes, onde até as proposições médicas carecem de esmero na escolha de palavras para não melindrar os sensíveis.
Entretanto, não há como escapar: os doentes mentais não têm cura. São condutopatas e sociopatas que, por definição, são desprovidos de sentimentos e possuidores de desejos patológicos que lhes determinam bizarrice de conduta, completamente incompreensíveis psicologicamente, somente por vezes amenizados pelo uso criterioso de remédios associados às mais variadas terapias psicossociais.
Quando (mal) avaliados farão a festa dos rábulas de porta de cadeia e estes serão os únicos a ficarem satisfeitos com a resolução do CNJ. Seus clientes facilmente receberão atestado para ganhar a liberdade sem nenhum esforço da parte do causídico.
Observação: onde se leu doente mental, leia-se “pessoa com deficiência intelectual” neste samba do afrodescendente com problemas.

“Só no ano de 2020 foi registrado um incremento de 34% (ver The New England Journal of Medicine 388;5 nejm.org February 2, 2023) do índice de mortes secundários a hipertensão por falhas no tratamento”
  • Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Professor da FAMERP de São José do Rio Preto)

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